quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Sexta na Usina: Poetas da Rede: Miguel Angelo Teixeira:


 

NÃO VÁS!

Não vás! Não ainda. Pudesse eu ter o poder de parar o tempo num abraço, mas contigo o tempo voa. Um abraço, apenas e só. Mesmo que nada mais houvesse guardar-te-ia num abraço mais apertado, como aquele tesouro mais precioso que queremos conservar para sempre no coração. Quero conservar o momento, o toque da pele tão esperado quanto imaginado, o odor das nossas necessidades e desejos mais básicos e primitivos confundidos nesse inolvidável instante, no último estertor, no suspiro impossível de conter,  de dois amantes que nunca se viram e todavia não se esquecem, o gosto do beijo não beijado, o sal dos corpos suados, da alma e da carne, vazias de sentido. Não vás!, que o amanhã é apenas uma quimera, uma janela aberta por onde fogem as fantasias cansadas dos sonhos, num bater de asas rumo à realidade dos dias que passam e das coisas palpáveis. Houve um tempo em que só querias voar na escuridão protectora do meu quarto, despida das normas e das regras de uma sociedade que nos castra os impulsos mais selvagens, vestida de uma fome e de uma sede insaciável de sensações que nenhuma palavra consegue descrever. Não vás ainda. Fica!, no aconchego reconfortante e ansiado que ninguém vê, deixa-me despentear-te os cabelos uma última vez, sentir a tua intimidade numa insanidade só nossa, neste puzzle que nos completa e disfarça a solidão e a carência dos dias intermináveis.

autor: Miguel Angelo Teixeira

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