quinta-feira, 21 de abril de 2022

Dante Alighieri: A Divina Comèdia:



Inclinando a cabeça então, suspira E diz: — “não fui lá só naquele dia,
90 Nem sem motivo aos outros eu seguira.
“Porém achei-me só, quando exigia De Florença a ruína o geral brado:
93 A peito descoberto eu defendia-a”. —
— “Seja o descanso à vossa prole dado: Mas, vos suplico, de penoso enleio
96 Fique o juízo meu descativado.
“Se bem percebo, do futuro ao seio Subindo e ao tempo o curso antecipando, 99 Do presente ignorais todo o rodeio”. —
— “Os que têm vista má nos semelhando” — Tornou-me — “as cousas mais distantes vemos, 102 De Deus última luz em nós raiando.
“Quando estão perto ou no presente as temos Se apaga a lucidez, e a mente aprenda
105 Por outrem só o que de vós sabemos.
“Ciência nossa do porvir depende; Em sendo a porta do porvir cerrada,
108 Essa luz morre em nós, não mais se acende”.
Então minha alma, de remorso entrada, “Dize” — replico — à sombra, a quem falava,
111 Que o filho inda entre os vivos tem morada.
Se presto lhe não disse o que exorava,
Da dúvida, que, há pouco, heis-me explicado
114 Pela influência dominado eu stava”. —
Se bem fosse do Mestre apelidado, Rogando a sombra a me dizer prossigo
117 As almas, de quem stava acompanhando.
Respondeu: — “Muitos mil jazem comigo Aqui dentro, o Segundo Frederico,
120 Com ele o cardeal, de outros não digo”. —
Dos olhos se apartou. A cismar fico, Voltando ao sábio Mestre, na ameaça 123 Desse, que ouvira, vaticínio único.

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